31 de dezembro de 2013

Ao passar



Todo o sonho é feito de luar
Dessa luz que trespassa  a noite rasa
E se revela a sombra no rasto de quem passa
Dá também ao chão a lisura do caminho.



BOM ANO!

a sonhar...



25 de dezembro de 2013

Bom Natal




Não é difícil, por estes dias, vestir o coração de espírito natalício.
A grande dificuldade é fazer com que assim permaneça ao longo de todo o ano.

BOM NATAL !



4 de dezembro de 2013

Nasceu Dezembro




Nenhum céu nos basta, mas mesmo assim
Dezembro continua a nascer
agarrado ao coração por um ramo de azevinho.
Por todo o lado as palavras quentes rodopiam
e apesar do gelo
o mundo perde cantos e arestas
sem diferenças entre ruas e ruelas.
E vemo-lo a embrulhar-se em fitas coloridas
bolas doces e afectos;
tristezas que sorriem
ao ritmo intermitente da claridade nas janelas.
Nenhum céu nos basta, é certo
porque ébria e fria é a neve a cair no inverno.
Mas que importa: é Dezembro
e quem sabe, talvez
a ponta de uma estrela nos caia
bem no centro do peito
e seja ela a chama iluminada
que entre rochedos e musgos
rasgue a noite de novo
e nos leve a uma outra estrada
onde jamais se perca o sentido
do celeste azul que cobre a humanidade;
razão primeira de todos os presépios.


1 de dezembro de 2013

Sementes que saciam


São sempre felizes os dias em que o poeta semeia a palavra que germina: o verbo que alimenta e sacia.
Foi assim, ontem, na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, em Braga.
E eu, orgulhosamente, estive lá!


Uma certa luz

Há dias em que os corações
amanhecem abertos à claridade.
Então, são inúteis as palavras
porque a luz é vidro e corta
gume ou fio de sol
desejoso de ser noite.

Lídia Borges, Sementes Daqui, Poética Edições (Nov. 2013)



20 de novembro de 2013

A ver o mar















Quando o vento roda a sul
o peito erguido de uma gaivota
ela sabe que o destino
é feito da amplitude das asas.
Segue, a ver o mar.
E todo o céu é seu.
E toda a maresia
lhe cabe na memória.
De prata
apenas o chão de água;
o resto, o resto é sol
é vida
claridades, e penas a voar.


(foto de Gabriela Chagas)

5 de novembro de 2013

Caminho seguro




Afago os teus passos
e levas-me ao tempo em que os dias não morriam
apenas descansavam nos teus braços
e a noite era o tempo de sonhar com mais caminho.



25 de outubro de 2013

Do indizível



Nunca disse tanto como agora; acredita!
As palavras aninham-se dentro dos lábios, seguras de que só as mãos conhecem o caminho certo, isento de significados dúbios.
Agora, oiço a dimensão oculta do mundo, na ponta dos dedos, e vejo melhor o quanto o ruído nos cega.




20 de outubro de 2013

Ao cair da flor



É tua a rosa
o perfume excelso de cada uma das suas pétalas
o queixume eterno da sua floração breve.
Pertencem-me os espinhos
todos
o caule digno e aprimorado
e a terra
onde todas as estações acontecem.




16 de outubro de 2013

Réquiem à beira do inverno



Quando uma haste se parte
é sempre inverno no interior das árvores.
Ninguém vê
mas as raízes também choram a inevitabilidade
e nem o silêncio da terra as conforta.
É sempre assim:
as folhas nunca sabem preparar o peito
para sentir saudade.





12 de setembro de 2013

Um poema para ti




Eu gostava de saber escrever um poema para ti
Uma rima bonita feita de versos brancos
Que falasse das noites e dos dias
Em que trabalhando juntos, lado a lado
Cerzimos dores, sarámos feridas;
Os meus olhos seguindo as tuas mãos
O teu exemplo guiando o meu cuidado.

Se eu soubesse escrever um poema sobre ti
Eu saberia como dizer:
Do saber diferente que é arte
Uma arte de dar e de acolher
De como se vive uma vida dentro da outra
Ou de outra ainda que nasce
Ou de outra ainda que se ampara ao morrer.
De como a meia-lua de um sorriso
Nossa candeia
É o segredo visível no nosso peito guardado
Que tantas vezes transforma em força
A fraqueza de um corpo doente
Às nossas mãos confiado.

Ah, se eu soubesse escrever um poema para ti
Eu diria muito mais do que isto
Se para tal me chegassem as palavras.
Talvez até só juntasse as sílabas do silêncio
Aquele silêncio das coisas que sabemos
E não precisam ser ditas, quando são partilhadas.

Se me pedissem para escrever um poema para ti
Talvez eu não dissesse nada
E lhe desse como título
Simplesmente, obrigada!




25 de agosto de 2013

Ruínas




Quanto mais ando, melhor vejo
a expressão antiga que respira, ainda
dos espaços abertos das casas em ruínas;
vozes de outros tempos que permanecem
dormentes entre as pedras.

Aqui e além, espalhados pelo soalho velho
ouvem-se os gemidos de angústia
que cobriam outrora todas as migalhas de pão
que a fome não viu, caindo desamparadas
para regozijo dos pássaros.

Os velhos não esqueceram a voracidade dos abutres
nem a persistência que deram ao voo 
ante a fraqueza das asas;
e dizem-no:
com as mãos cheias dos  dias que precisaram chorar 
de corpo desabrigado, para chegarmos até aqui
e os olhos rasos, da água viva que sacia
os lábios de quem nada teme.

Talvez por isso haja tanta ternura no seu olhar.

Talvez por isso eu me entristeça mais
agora, que vejo melhor o abandono tombar
sobre a sage telha que abriga, ainda
de fumo e cinza
a frágil vida
erguida na ignorância dos homens.


(foto pessoal)

3 de agosto de 2013

Eu em ti



O lugar que procuro
é um recanto vivo dentro da tua memória.
Um lugar que te seja força e amparo
e onde eu me possa guardar
história da tua história;
não pelo que fui ou pelo que vi
e nem ainda pelos caminhos que trilhei,
mas por aquilo que me ergueu quando caí
e por me ter dado a tudo quanto amei.




31 de julho de 2013

Raízes claras



Descias ao fundo do rio
de olhos mirrados,
temendo o discurso dos peixes,
e a boca entreaberta
buscando um outro fôlego
na respiração lenta dos dias.

Do que de lá trazias
nunca me falaste,
mas bastava-me ver-te regressar
da pureza das águas,
                                [sereníssima]
retomando o caudal da tua vida,
para saber o sentido do canto
que entoava das tuas mãos de silêncio.

Foi assim que aprendi a depurar a mágoa
e hoje adoço de humanidade tudo o que digo.
                           
                        [a dor, tal como tu, deixo às pedras confiada]



19 de julho de 2013

Voo raso




Antes do dia escurecer
havia uma promessa de voo no levantar da névoa
e um peito aberto a estremecer de riso.
Mas todos os caminhos sabiam
dos passos agarrados à terra;
e todos os silêncios, de horizontes perdidos.
Foram os corvos que trouxeram a noite: disseste.
E eu entristeci.
Quebradas as asas
rasante é a viagem.



27 de junho de 2013

Diz-me



Diz-me.

Diz-me que o presente
é este fio de luz que prende o meu cabelo,
este sol que aquece a raiz da minha nuca
e me enlaça p'la cintura
como um resgate do tempo
à viagem das águas.

Diz-me que nada mais há 
senão este agora
em que os pássaros festejam
as penas que vestem
e eu me rendo
à rara felicidade de me saber viva.

Diz-me que esta,
apenas esta,
é a verdade que procuro
e jamais temerei o final
neste princípio.



20 de junho de 2013

Nada de novo




Um livro aberto 
sobre uma sombra amarrotada em cima da cama, 
pode nada dizer de novo; eis a surpresa: nada de novo.



16 de junho de 2013

À procura de si




O homem estendeu-se nu sobre a areia
e temendo a invasão dos seixos
deixou-se incrustar em vida salgada
e confundiu-se entre as pedras.

Hoje, à beira de um coração sedento
 procura a  humanidade que deixou
 frágil e  ao acaso
boiando à mercê da erosão do tempo.



13 de junho de 2013

O sono dos barcos




De que matéria são
os sonhos dos barcos que dormem
na lisura da areia?
De que tempestades esperam 
ser salvos
pelas gaivotas que ainda têm asas?




3 de junho de 2013

Palavras à beira do mar


Picasso - Os pobres à beira do mar ( 1903 )

Antes da revolta do mar
as gaivotas, em desespero, guardavam as asas
e cobriam-se de sargaço para que ninguém soubesse
que decidiam morrer antes do fim das palavras.

Dentro do vento, as vozes das mulheres
anunciavam o fim do mundo
tecendo e destecendo o silêncio
com que protegiam o corpo da bruma
e mirradas de colo, agarravam-se ao ventre
na antecipação da angústia.

Na praia, só os meninos
desenhavam o sol dentro das conchas
enquanto  as casas desmoronavam
com o peso do sal sobre as pálpebras
e os homens, presos às estacas
vigiavam o gemido das ondas
quebradas na dureza dos rochedos
e amedrontavam-se como nunca
dentro dos próprios punhos.

Antes da revolta do mar
a terra era uma chaga
a esvair-se de humanidade
e foi preciso semear poesia
à boca de todas as marés
para que o grito amadurecesse
e o mar cantasse o hino
de um coração de lava transbordante
que  desembaraçado de algas e fantasmas
num estrépito se elevou, vivo
a encimar o mastro de uma nova caravela.



1 de junho de 2013

Crianças



Lembrarei todos os dias 
o sorriso que te roubam
e dessa ausência faço uma batalha
até que o futuro to devolva.



29 de maio de 2013

As tuas mãos, ainda



Rodo a chave
e há no ar um aroma de ventre 
que me acorda.
A memória levanta do silêncio
o abraço das vozes
e o tempo recomeça
no mesmo lugar.
Delicadamente, um pedaço de luz
afaga as paredes
repletas de história;
sobre a mesa
as tuas mãos, ainda
e, então sim, inteira 
me completo.


25 de maio de 2013

Das páginas que se escrevem





Numa página em branco
escreveu a lua, em plena tarde
o caminho de um novo poema
como se todas as direcções
rimassem no universo das coisas.




20 de maio de 2013

Na metade de um sol inteiro




E eis que chego aqui
ao que julgava ser
a metade de um sol inteiro
e, no entanto
é o efeito da penumbra
que torna bem mais claro
nos meus olhos
o valor das coisas belas.


15 de maio de 2013

Vou...



Tenho a mala aberta e a vida ali
espalhada, contigo dentro.
Nada mais tenho para levar comigo, senão
este corpo gasto e um ou outro gesto
deixado ao acaso em cima da mesa.
O tempo consumiu tudo o que dissemos, meu amor
enquanto nos amámos até à exaustão das sílabas.
No vinco gelado do meu rosto, o teu beijo
foi quanto bastou para esgotar todas as manhãs
nas pálpebras cerradas do único adeus possível.




10 de maio de 2013

insignificância




um quase nada
tão pouco
plenitude desmesurada
de um fio raro de água
que se depurou, gota a gota
no fundo dos dias sem esperança.




2 de maio de 2013

A sós comigo


duy huynh

A sós comigo
leio o que o tempo escreveu
nos sulcos vincados do meu rosto.

Rasuro o inútil e escrevo de novo
quem sabe encontre
uma outra narrativa para a minha história.





24 de abril de 2013

Sementes e searas





 Aconteceu, ontem, na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, em Braga, a entrega do Prémio Literário Maria Ondina Braga. 

A vencedora foi Olívia Marques, com o trabalho poético "Sementes daqui.  O júri, presidido pelo professor Agostinho Rodrigues, fundamentou a sua decisão - tomada por unanimidade de entre 57 trabalhos a concurso -  referindo- se à obra como: "uma estrutura formal coesa e sistemática e com uma riqueza imagética e simbólica ímpares", realçando ainda  "a experiência de grande sensibilidade cultural"  expressa. 

Para quem conhece a escrita de Olívia Marques e   acompanha a publicação de alguns dos seus trabalhos em Searas de Versos,   este prémio não surpreende, porque é o reconhecimento justo da enorme qualidade literária do que escreve.  Para mim, que sou simultaneamente sua leitora e amiga, este é, também, um momento de imenso orgulho e felicidade.  

PARABÉNS!!!


" Pilgrim, in your journey
You may travel far, "






19 de abril de 2013

Afinidades


Iman Maleki


Não preciso ler o que viveste:
é no teu rosto que o tempo escreve
a página inteira
que me aproxima de ti.



11 de abril de 2013

Há tanto ainda...





É preciso saber quando gritar para o interior da terra.

É preciso trazer as raízes para dentro da alma e aí fazer crescer as árvores e ouvir os pássaros.

Não deixemos que só a noite conheça os versos que nos escurecem; é preciso iluminá-los de sol, despi-los das metáforas que nos pesam e dar-lhes asas para que se renovem de cor e esperança.

Há tanto ainda para escrever no peito...






8 de abril de 2013

Tempos quietos





Escrevo do lado de dentro do silêncio.  
Aqui, as palavras pousam-se-me nas mãos
como borboletas; só
apenas e só
para ouvirem o que digo.





2 de abril de 2013

O teu nome, nada mais


Mirjam Delrue


Pouso os olhos no teu nome*, pai
É tudo o que tenho; o teu nome
Essa conjugação imperfeita da tua vida na minha
Como um eco mudo e cego que me rasga
Um fundo mais fundo onde não existe o teu rosto
Nem as tuas mãos a sulcar o meu caminho
Nem o teu afago na minha memória.
É tudo o que tenho de teu, pai
O teu nome e nada mais.
Nenhum fio de lembrança, nenhum nó, nenhum laço
Nenhum prumo, nenhum rumo
Nada que esteja ancorado à tua voz
E que eu tenha amado ou esquecido para me salvar.
Por isso o meu peito é um espaço exíguo
De estilhaços gastos
E talvez o teu único pecado seja
Não teres pousado os olhos no meu nome, pai
E não saberes que eu sou
Sangue teu a gotejar
Sobre esta dor azeda de viver
Sentindo a tua falta.

* in: "Sou, e Sinto" de Virgínia do Carmo - p.49

2 de março de 2013

Adeus


Paul David Bond

Tenho um adeus preso nos lábios
para soltar no vento antes da morte dos pássaros;
mas hei-de amar-te na copa das árvores
onde as palavras se despem
como frutos maduros
até se desfazerem na tua boca.




21 de fevereiro de 2013

Antes que as asas se partam















Nem sempre sabemos
Se o que nos inquieta na morte do dia
É a ausência do sonho
A decrépita solidão a cair sobre a pele
Ou o silêncio imposto ao nome das coisas.
Entre o que sentimos e o que não sabemos
Tememos o fim das palavras
O não conseguir dizer mar ou gaivota
Antes que as asas se partam.
Por isso nos vigiamos por dentro
Rasgando dos punhos a nascente dos mastros
Verbos de ser
Princípio e fim de todas as coisas.
Com uma réstia de sol presa à cintura
Agarramos os olhos à única chama que arde
E sobre a névoa dos telhados das casas
Escrevemos poemas
Vozes de nós em desassossego de sombras
Pequenas flores expostas à beira da alma
Numa quase inútil melancolia de fim de tarde.



12 de fevereiro de 2013

Depois mais nada


Mirjam Delrue

Crescer foi só aquela vertigem de apanhar no chão o teu último beijo.
Depois, depois mais nada.



5 de fevereiro de 2013

Instância

















Mesmo que  uma dor indistinta
me rasgue os olhos abertos
hei-de procurar a luz primordial
no sangue das pálpebras
e não haverá nenhuma insónia
que mate a minha noite quieta
nem nenhum punhal 
que impeça a minha voz de viver 
ou de morrer dentro das palavras.



*


24 de janeiro de 2013

Fragmento


                                                                                                Vanessa Magalhães

Uma lágrima cai-me no colo
como se fosse, aquela que de mim já viveu
e eu
apenas sombra e cinza que envelhece
fragmento inerte
na impotência de um consolo.



17 de janeiro de 2013

As tardes que moram em mim




São duas as tardes que moram em mim;

Uma é sombria
feita de pingos de chuva e da cor cinzenta do céu
refugia-se num canto da alma
a revolver o vento e a chorar melancolia
procura o certo, no que há de mais incerto 
e respira o silêncio de uma calma 
que se ama e se estranha.
Chega sem aviso
quando não oiço 
o rumor dos gestos
dos passos que me dizem quem sou
porque fui, porque chego
ou porque vou.

A outra
é alegre e luminosa
profusa de flores e de voos
e deixa os meus lábios pintados
de sorrisos e poemas.
Vem quando não sei, quando não espero
e acontece como uma brisa breve
um aroma que faz crescer o coração
até à beira da boca
pula de esperança e é tão leve
que dá ao toque das minhas mãos
a certeza das coisas mais certas.

As duas vivem em mim
delas parto para noites e manhãs
nelas soletro o meu nome
e detenho-me no verso
que preenche o anverso de cada letra.



14 de janeiro de 2013

Grãos de areia




Viver é isto:
olharmo-nos como quem mergulha mar adentro
sem ter medo de não saber como se respira
e chegados ao fundo
não mais nos vermos, senão
memória de azul
minúsculo cristal
singular partícula de areia. 





12 de janeiro de 2013

Manhãs de neblina



M.G.D

As manhãs, às vezes, estendem sobre a solidão dos lugares uma certa neblina. Tudo parece estranhamente calmo e resignado à ausência de luz e à impenetrabilidade do sol. Tudo parece aguardar, apenas, que aquele véu levante do chão o silêncio que caiu durante a noite. 
Indiferentes a todas as esperas, os pássaros esvoaçam das árvores, cansados de dormir, e rompem as tonalidades mescladas de uma realidade cinzenta. O dia já nasceu. É tempo de dar cor à voz guardada no interior das asas e cantar a anunciada revelação das paisagens.



8 de janeiro de 2013

Beijo meu



Nasceu no coração este beijo
de amor desejado corpo
dentro do meu corpo
como um sol dentro da centelha
e é tão grande agora
que cresceste
que não tenho lábios que cheguem
para te beijar a vida inteira.



3 de janeiro de 2013

Sementes de poesia



Ando ombro a ombro contigo a dedilhar palavras
E tu olhas-me triste
Porque sou o eco infértil da tua boca
E dela nada ouves senão silêncio
Neste medo meu de envelhecer versos
De os fazer viver à míngua
No espaço perdido dos dedos.

Sabes, talvez nunca os saiba dizer
Talvez te arrependas de caminhar comigo
E dês por perdida esta tua semente
Não, eu não sou poeta!

Falta-me o desassossego
Do ser mais alto e maior dos poetas
A coragem com que rasgam o grito
E tomam a força das aves
A direcção dos caules
O mistério das folhas
A revolta dos mares
O ciclo inesgotável do sol
O pulsar constante da vida.

Falta-me a vida… 

Por isso ando de mão dada contigo
Bebendo de ti a polpa dos verbos
Só tu podes fazer-me renascer
Nua de pele, vestida de encanto
E dar à minha voz vazia e calada
O canto que dás aos Homens
E a alma que acendes no povo
Que não sabe viver sem ti.

Só tu podes semear em mim o olhar de poeta
E ensinar-me
Como desbravar na palavra o caminho dos olhos
Como dar ao que choro
A liberdade certa no leito de um rio.

Só tu sabes dizer-me que viver vale a pena
E assim, lado a lado
Talvez faças do espaço amplo do meu peito
Um oceano
Onde podem ancorar todos os barcos
Ou a página rubra
Onde mesmo sem nunca o saber dizer
Um dia eu consiga escrever
O teu poema.